.... The book "Designed Future" in the Portuguese newspaper "Expresso".. O livro "Futuro Desenhado" na revista do jornal "Expresso" ....

 

Expresso newspaper on 15th of June

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The book "Designed Future in the Portuguese newspaper "Expresso"

The journalist Valdemar Cruz wrote about the book “Future Designed or Selected Texts of Paulo Mendes da Rocha” in the magazine of the Portuguese newspaper “Expresso” on 15th of June. About the book highlights: “The world of Paulo Mendes da Rocha as never before seen, bared in a long journey through time and built space, made from reflections of the Brazilian modern master.”

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O livro "Futuro Desenhado" na revista do jornal "Expresso"

O jornalista Valdemar Cruz escreveu sobre o livro “Futuro Desenhado ou Textos Escolhidos de Paulo Mendes da Rocha” na revista do jornal “Expresso” o dia 15 de Junho. Sobre o livro destaca: “ O mundo de Paulo Mendes da Rocha como nunca antes vivido, desnuda-se numa longa viagem através do tempo e do espaço construído, feita a partir de reflexões do mestre moderno brasileiro.”

O texto completo:

Arquitectura é uma invenção. O urbanismo é a nossa intriga. A busca de uma estética, o anseio da cidade perfeita, convive com a necessidade de responder a desafios tão básicos como a construção de um abrigo, atravessar um rio com uma ponte e a partir dessas obras contar uma história. Aí chegados, é possível perceber como a real questão da arquitectura é o sabermos como absorver a experiência humana. 

Todas as ideias expressas no primeiro parágrafo, muitas vezes até mesmo as palavras, são retiradas de uma tão sensível quanto extraordinária obra intitulada “Futuro Desenhado ou Textos Escolhidos de Paulo Mendes da Rocha”, o mestre moderno brasileiro nascido em 1928, autor de obras como o Museu dos Coches, em Lisboa, ou o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, Prémio Pritzker de Arquitetura (2006) e Leão de Ouro na Bienal de Veneza (2016). Recheado de reflexões sobre a modernidade, o labor dos arquitectos ou a vida nas cidades, um dos grandes arquitectos vivos propõe, ao longo de 250 páginas uma singular viagem à volta dos múltiplos modos de definir a arquitetura. Ao mesmo tempo expõe as questões suscitadas pelo 3º Mundo e como se conjugam com uma ideia de urbanismo. 

Fala das cidades da América Latina e da sua particular relação com a natureza. Analisa o património universal, que tanto está em Veneza como em Ouro Preto, menciona a casa como instrumento retrógrado, evoca Palladio e a ideia de cidade perfeita, recorda a construção de Brasília e a sua catedral, vista como uma inversão do trabalho de Brunelleschi. Elogia Niemeyer, recupera Le Corbusier, comenta o Guggenheim de Bilbau como réplica do trabalho de Duchamp, e não deixa de abordar o peso da ditadura militar no Brasil, com a sua consequente expulsão de professor da Universidade de São Paulo. 

Logo a abrir há uma tentativa de definição de arquitectura, esforço repetido em diferentes momentos ao longo deste livro construído a partir de entrevistas e textos escritos pelo arquitecto em momentos diversos. A arquitectura, diz Mendes da Rocha, “não se dirige a uma estética desvinculada de uma realidade social. Ao contrário, só pode existir enquanto vinculada a essa realidade, e junto com ela vencer uma aventura terrível, que é a do viver”. Já perto do final escreve: “Arquitectura é uma conquista social, não um tipo de conhecimento que possa ficar com alguns poucos e através do seu trabalho aparecer, para a sociedade, como uma dádiva; o que, como actividade artística, pode a arquitectura também fazer é revelar verdades pouco evidentes. A arquitectura realiza o que os homens, na totalidade da sua história, conquistaram realmente.” E a verdade é que, dizia no discurso de aceitação do Prémio Pritzker, “a real questão ida arquitectura é a de sabermos como absorver a experiência humana continuamente. E quando dizemos 'como', queremos dizer que políticas usar. É realmente uma questão política". Talvez por isso, sublinha num outro tempo, a sua arquitectura “sempre foi inspirada por ideias, não evoca modelos de palácios ou de castelos, mas a habilidade do homem em transformar o lugar que habita”. 

A tentação da cidade perfeita é uma constante no percurso da Humanidade. É uma ideia que remete para Palladio, quando se pensava poder ser a cidade um conjunto de muitos palácios colocados lado a lado, numa aposta na monumentalidade. Convocado para hoje, reflecte Mendes da Rocha, “esse raciocínio (...) é anacrónico, é uma ideia degenerada, é sintoma de uma decadência que produz verdadeiros horrores do ponto de vista técnico”.  

A partir do conceito de que “o urbano não é nada”, ou antes, “é um estado de espírito”, é o homem, Mendes da Rocha afirma que “o urbanismo é a nossa intriga". O conceito de urbano leva-o a falar das grandes metrópoles da América Latina, como a Cidade do México ou São Paulo. São capazes, infere o arquitecto, de “reflectir uma sabedoria, um estado de consciência sábia que diz “No campo não se pode viver”. Portanto, habitar cidades é uma manifestação de urbanismo pela consciência do homem". De resto, sublinha noutra altura, “o que é monumental hoje é o desejo humano e a consciência sobre a cidade”. Morar na era moderna implica falar da casa, cuja origem “é o abrigo, o esconderijo, a gruta, o covil de um homem que, sem dúvida, foi apavorado num momento da sua existência”. Na opinião do arquitecto, “a casa tem servido ultimamente como instrumento extremamente retrógrado das forças mais reaccionárias em relação à liberdade do homem”. Assim, “a ideia da casa como realização que está fora da realidade da cidade, esta casa que pretende a volta ao campo que nega a liberdade do homem, que se liga à ideia de herança não é mais a casa moderna. Hoje, o habitat do homem é a cidade”. Em países atrasados e de passado colonial, como o Brasil, a casa “é uma necessidade quantitativa, escandalosa, e não poderá ser pensada simplesmente como uma unidade de habitação”. Para suprir essa necessidade, será necessário “inventar”, aceitar "e reconhecer a casa realmente contemporânea que conte fundamentalmente com os recursos da grande cidade”. Até porque, acrescenta noutro contexto, “o padrão da casa para um arquitecto só pode ser o padrão técnico da casa contemporânea, e não existe casa popular”.

Recusa a existência de uma “arquitectura brasileira”, por não encontrar sentido na defesa de um carácter nacional, mesmo se há algo de particular na experiência da América, onde “o colonialismo produziu horrores porque não soube (e nem pretendeu) ler a experiência dos nativos". Daqui parte para os exemplos de técnicas construtivas dos índios, como a “oca yanomami” (madeiras tensionadas com abertura circular no centro para o fogo), bem como a sua particular relação com a cor, para colocar uma questão perturbadora: “Quando o erudito fala, por exemplo, que no Trecento, ou no Quattrocento, Florença representava a forma e Veneza a cor, poderia dizer o quê a respeito dos nossos índios? Uma cultura maravilhosamente humana, interessantíssima e que foi massacrada. Sem falar nos negros, que também foram massacrados pela escravidão.” 

Paulo Mendes da Rocha chega, então, a Brasília, cidade “muito africana” de grande importância para os brasileiros, no sentido em que “inaugurava a questão um tanto difusa que era construir a cidade de uma maneira exemplar. Façamos uma cidade! Porque sim! No interior do continente, para contrariar, inclusive, um aparente destino imposto até pela questão do colonialismo”

Não obstante a importância da cidade e a influência de Oscar Niemeyer sobre o próprio Mendes da Rocha, é só mesmo a terminar o livro que, a propósito do centésimo aniversário do construtor de Brasília, aparece a referência detalhada àquele de quem diz ser impossível não ter existido. 

Até por isso, Niemeyer é visto como “uma comemoração constante: da inteligência, da coragem, da capacidade técnica”. Para Mendes da Rocha, Niemeyer “é, seguramente, um dos grandes artistas do século (XX), porque fez com que a arquitectura revelasse sempre soluções que, além de brilhantes, são expressões de uma suprema liberdade”. 

E quando se nomeiam grandes arquitectos, torna-se inevitável a referência a Le Corbusier, em cuja obra, frisa, “o que informa é a sua preocupação constante (cometendo inclusive alguns erros) com soluções para a cidade contemporânea, sua intensa actividade criadora. Sua motivação foi o que mais nos modificou. Sua preocupação com o relacionamento com o trabalho artístico e os meios de produção industrial”. 

Num livro carregado de pensamentos sobre arquitectura e política, as questões do 3º Mundo, os problemas de segurança e medo associados ao renascer do fascismo, ou as criticas aos pós-modernos, há ainda espaço para uma nota pessoal muito forte. É o tempo da ditadura militar no Brasil (1964-1985), o período “mais triste e mais difícil da minha vida, sem dúvida nenhuma. Porque todos nós, além de ameaçados, estávamos humilhados, indignados, constrangidos”. 

Preso duas vezes, Paulo Mendes da Rocha é expulso da Universidade e impedido de trabalhar. Salvam-no alguns arquitectos que lhe proporcionam a possibilidade de continuar a projectar, embora, como diz, “sem aparecer”. Acaba condenado a uma não existência. 

Não podia trabalhar para empresas, nem para o Estado. “Eu me virava”, diz, e com isso mantinha viva a possibilidade de sair do estritamente necessário para assumir o prazer como coração da arquitectura.

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